Os brasileiros que antes tinham o hábito de viajar para Nova York, Miami e Paris, para comprar roupas de alta qualidade, foram obrigados a se contentar com o que está acontecendo em São Paulo nos últimos 18 meses de pandemia global.
Isso levou a uma onda tão grande de compras que as marcas internacionais de luxo tiveram que aumentar os pedidos para manter os níveis de estoque nas lojas. Isso também torna a inauguração da Balenciaga em abril, com uma loja de 200 metros quadrados no shopping JK Iguatemi em São Paulo – sua primeira loja na América do Sul -, particularmente oportuna.
“Enquanto não houve turismo na Europa e as vendas caíram lá, no Brasil foi o contrário. As pessoas compraram localmente”, afirma Carlos Jereissati, CEO dos shoppings Iguatemi. “O que é descolado agora para os brasileiros é dizer que compraram em casa, não em Miami – a fim de mostrar que eles têm acesso às marcas no Brasil.”saiba mais
A fraqueza do real também ajuda. “Nossa moeda está bastante desvalorizada no momento, o que torna mais confortável e atraente comprar produtos localmente, em vez de no exterior pagando altas taxas de câmbio e impostos”, diz Maximiliano Suffriti, diretor-geral no Brasil da Tiffany & Co., que tem três lojas só em São Paulo (a loja do Iguatemi é o carro-chefe da marca para a América Latina). “Outro aspecto das compras brasileiras, que torna a compra local mais conveniente, é a oportunidade de comprar a prazo, algo que todos amamos e praticamos.”
Apesar da saída de marcas como a Versace, a Lanvin e a Kate Spade do Brasil após uma recessão econômica no meio da última década, há a sensação de que as oportunidades estão se abrindo novamente. Algumas marcas de luxo estão apostando alto no Brasil, ainda que seja com a cara e a coragem, porque precisam negociar entre uma complexa teia de burocracia, impostos e taxas de importação, corrupção política, incerteza econômica e uma moeda terrivelmente volátil. É preciso ter coragem para se aventurar no Brasil, mas seus milionários são compradores resilientes, cobiçando apenas o melhor dos melhores, mesmo durante uma pandemia global.
O “revenge buying” explode
As primeiras marcas de luxo a abrir no Brasil viram sua presença no varejo como uma oportunidade de marketing ao invés de vendas. Os altos impostos de importação tornaram a compra local muito mais cara do que ir ao exterior para comprar em grande quantidade. As primeiras lojas eram em grande parte vitrines para os brasileiros olharem, depois eles comprariam no exterior. É um modelo de negócio que só funciona para quem tem musculatura corporativa para engolir as perdas e digerir a dificuldade de fazer negócios no Brasil – segundo o Banco Mundial, o país ocupa a 124ª posição no “Ease of doing business index” (índice de Facilidade de Fazer Negócios), atrás do Paquistão e da Cisjordânia.
A interrupção abrupta das viagens em março de 2020 mudou o jogo. A Hugo Boss, por exemplo, rapidamente esgotou o estoque quando os shoppings foram reabertos e acabou acelerando os investimentos planejados. As vendas online, que eram pouco desenvolvidas no Brasil, também aumentaram, enquanto no período anterior à reabertura das lojas físicas, as equipes de vendas de marcas de luxo evoluíram seus conhecimentos a respeito das redes sociais. “Todos tivemos que aprender e desenvolver nossas habilidades com as redes sociais porque essa era a única ferramenta que tínhamos para nos mantermos conectados e fazer vendas”, diz Suffriti, da Tiffany & Co.
O “revenge shopping” (ou “compras de vingança”, em tradução literal), que representa um desafio ao consumidor diante de uma pandemia, está na moda. “Vivemos um ano como se fosse 10”, lembra Romeo Bonadio Junior, gerente-geral da Hugo Boss. Neste ano, as vendas de janeiro a maio aumentaram 41% em relação ao mesmo período de 2019, e devem continuar em um ritmo semelhante no resto de 2021. Qualquer visita a um shopping de luxo conta a história com clareza: há uma abundância de compradores, sobrecarregados com várias bolsas de marcas como a Gucci, a Louis Vuitton e a Valentino.
A Kering, proprietária da Balenciaga, já conhecia os desafios de abrir no Brasil as lojas da Gucci e da Bottega Veneta. A oportunidade no país havia sido identificada antes do início da pandemia, com negociações para uma unidade já em andamento. “A marca está indo superbem”, diz Carlos Jereissati. “É uma marca que realmente fala com os brasileiros, é muito reconhecível para eles e altamente desejável.”
Entendendo o comprador de luxo brasileiro
Os compradores brasileiros do luxo são notoriamente exigentes. As lojas locais estão bem acostumadas com isso e bem preparadas para responder, sem dúvida, melhor do que as lojas de luxo na Europa e na América. “O brasileiro gosta de ser atendido por brasileiros”, diz Bonadio Junior. “Há um certo tipo de serviço que é esperado. Eles pedem muito, é assim que eles são.”
Suffriti da Tiffany & Co. concorda. “Como marca, estamos muito focados em oferecer uma experiência incrível ao cliente, e faz toda a diferença quando isso é feito no seu próprio idioma, com todos os mimos que os brasileiros adoram e valorizam”, diz ele.
Bonadio Junior, que já trabalhou no varejo de luxo no SoHo em Nova York, supervisionou a expansão da rede de lojas Hugo Boss no Brasil para 24 lojas, sendo cinco abertas desde julho de 2020, e outra com inauguração prevista para o final deste ano. Isso lhe confere a maior presença física no Brasil entre as marcas globais high-end.saiba mais
Thierry Bayle, fundador da Global Fashion Management, uma consultoria de negócios de moda, concorda com a avaliação de Bonadio Junior sobre o cliente brasileiro. “Você realmente precisa entender o cliente e ser capaz de fornecer a ele o que lhe é exclusivo”, diz ele. “O que é muito complicado de fazer é implementar a jornada certa do cliente, mesmo em um nível de luxo. O luxo é medido pelos pequenos detalhes na jornada do cliente. Cada pequeno detalhe deve ser perfeito.”
A Dolce & Gabbana tem oito lojas no Brasil e conhece bem a cultura. “O consumidor brasileiro adora relacionamentos diretos e a experiência física de compra”, diz Alfonso Dolce, CEO da Dolce & Gabbana. “Num período em que a experiência de varejo foi necessariamente reduzida, ou até cancelada, procuramos nos aproximar ainda mais do cliente, sobretudo a nível pessoal. Nesse sentido, o marketing omnichannel certamente tem sido o caminho a seguir.”
Nos últimos 18 meses, a Dolce & Gabbana aprimorou suas operações de e-commerce e criou iniciativas como o “Fica bonita em casa”, um programa de encontros presenciais e virtuais com seus melhores clientes. “Pretendemos mantê-lo no futuro, junto com outros serviços personalizados”, diz Dolce. “O equilíbrio entre o online e o offline é essencial e continuará sendo no futuro.”
O Brasil vem em segundo lugar, depois do México, como mercado latino-americano para a Dolce & Gabbana, porém Alfonso Dolce vê amplo espaço para crescimento. “O DNA do consumidor local encontra muitas correspondências não apenas com a nossa oferta de produtos, mas acima de tudo com o espírito versátil do lifestyle da Dolce & Gabbana”, diz ele. “Nesse sentido, esperamos ver um aumento de interesse pelo luxo no Norte e Nordeste do país, áreas cujo potencial ainda não foi explorado.”
Mesmo com suas contínuas dificuldades políticas, o Brasil pode muito bem representar um mercado importante nos próximos anos. “O Brasil tem usado seus instrumentos constitucionais, e o sistema de freios e contrapesos está funcionando. Ele está mostrando uma certa dose de democracia e maturidade”, diz Jereissati. “As marcas o veem como um país em desenvolvimento com ineficiências que irão desaparecer. Eles acham que, a médio e longo prazo, há muito potencial.”
A matéria foi orginalmente publicada no Vogue Business